terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Forrest Gump e John Lenon


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Dick Cavett: Forrest Gump, John Lennon.

John Lennon: Welcome home.

Dick Cavett: You had quite a trip. Can you, uh, tell us, uh, what was China like?

Forrest: Well, in the land of China, people hardly got nothing at all.

John Lennon: No possessions?

Forrest: And in China, they never go to church.

John Lennon: No religion, too?

Dick Cavett: Oh. Hard to imagine.

John Lennon: Well, it’s easy if you try, Dick.
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Forrest: (voz sobreposta): Some years later, that nice young man from England was on his way home to see his little boy and was signing some autographs. For no particular reason at all, somebody shot him.
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"Zelig" por Leandro Calbente Câmara


por Leandro Calbente Câmara
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Leonard Zelig é um dos personagens mais fascinantes de Woody Allen. Ele parece um indivíduo completamente regular, sem nenhuma virtude ou qualidade, sem nenhum atrativo que o diferencie das massas que circulam nas grandes cidades. Porém, é disso que nasce seu aspecto fascinante. Zelig não só é exteriormente vazio, um ser como qualquer outro, mas também carrega esse vazio no seu interior. É um homem sem personalidade, sem vontades ou aspirações, sem propósitos ou objetivos. Na realidade, Zelig traz apenas um desejo ou aspiração, o de ser nada, de se misturar na multidão e tornar-se indistinto e imperceptível.
No entanto, é muito difícil não ser nada, de não carregar nenhuma marca de singularidade ou de personalidade. Por isso, Zelig desenvolveu um incrível talento: ele consegue assumir os traços característicos daqueles que estão a sua volta. Ele se transforma em médico, comediante, cantor, negro, chinês, gordo, magro, branco, político, piloto, nazista, enfim qualquer coisa que esteja a sua volta. É essa capacidade camaleônica que possibilita a completa anulação de sua individualidade, ele não é nada exceto aquilo que sua volta lhe oferece.

Essa existência vazia, porém, se revela bastante ameaçadora. Não para o próprio Zelig, mas sim para o próprio funcionamento do dispositivo identitário que percorre o tecido social. De maneira muito simples, o processo de identidade funciona a partir de uma estrutura simbólica, na qual se desenrola um jogo de oposições: eu sou, você não é. As múltiplias possibilidades de combinação de pares de oposição constituem um espaço topológico. É nesse processo que os elementos simbólicos adquirem um sentido ou significado. Como já disseram antes, os elementos simbólicos não têm designação extrínseca nem significação intrínseca, mas somente um sentido de posição, por isso o sentido é resultado sempre da combinação de elementos que não são eles próprios significantes.
Isso significa, novamente da forma mais simples possível, que aquilo que sou só funciona a partir de um contraste com o outro. É nesse confronto que o sentido é produzido. A dificuldade é compreender como as diversas séries de identidade simplesmente não se fragmentam em pares incomunicáveis (por exemplo, quando somos confrontados com um terceiro elemento), o que impediria a existência de uma estrutura identitária capaz de se desdobrar num campo mais amplo.

Para que isso não ocorra, é necessário um elemento capaz de percorrer todas as séries, num movimento capaz de articular todos os pares de maneira fixa e estável. Esse elemento, na realidade, é um vazio, ou melhor, um significante flutuante, capaz de assumir múltiplos sentidos. É em função desse elemento, desprovido de qualquer significado, propriamente um não-sentido, que o sentido de todas as demais identidades pode se estruturar e ser enunciado. Seu movimento percorre as diferentes topologias, aproximando-as de um sentido unificado.
Pode-se dizer que, no caso das estruturas identitárias, esse elemento vazio é aquilo que chamamos de personalidade, de alma, ou ainda melhor, de subjetividade. É a plasticidade, seu vazio de sentido, que possibilita a completa articulação de todas as diferenças e igualdades que constituem o eue o outro. Ora, o problema é que esse significante flutuante não pode se materializar no campo da experiência concreta. É um elemento que flutua de lá pra cá, mas não se pode fazer notar. A potencialidade de uma identidade vazia poderia simplesmente arruinar a dinâmica dos pares de oposição, afinal mostraria toda arbitrariedade que sustenta o funcionamento de qualquer identidade.

É nisso que reside a ameaça de Zelig. Ele é o puro significante vazio. Ele não tem nenhum sentido, nenhuma identidade. Ele pode transitar em qualquer par de oposição: seu mundo não funciona como um espaço de alteridade, mas apenas de identificação. Sua existência dá visibilidade àquilo que deveria permanecer oculto, distante da experiência sensível. Ele pode ser tudo e nada ao mesmo tempo. Ele é a manifestação da plasticidade da subjetividade, do seu caráter produtivo e sem nenhuma fixidez. É como se a existência de Zelig desvelasse que a coisa mais íntima de todos nós, nossa interioridade, não passa de um sentido em constante produção e sempre ameaçado de erosão.

Diante desse dilema, resta apenas tentar anular o aspecto desestruturante da presença de Zelig. A trama do filme gira em torno da tentativa de anular essa potência ameaçadora. Vale uma pequena observação, o filme é também interessante pela sua opção narrativa. Woody Allen transformou seu filme numa espécie de (falso-)documentário que investiga a vida misteriosa de Zelig. Não deixa de ser uma opção coerente com a proposta desenvolvida na trama, mas não pretendo me alongar nisso aqui, ou pelo menos não nesse momento.
Retornando ao ponto, a narrativa começa descrevendo os primeiros registros da presença de Zelig. E rapidamente somos informados das primeiras tentativas de curá-lo, de compreender sua condição como um distúrbio ou um desarranjo psíquico (ainda que o conhecimento médico não conseguisse enquadrá-lo facilmente nas suas tipologias e esquemas interpretativos). É a doutora Eudora Fletcher quem mais vai se interessar em ajudá-lo. Inicialmente, ela sabia que o sucesso no tratamento poderia significar um renome científico sem precedentes. No entanto, esse interesse profissional é rapidamente substituído por uma preocupação afetiva. Ela deseja encontrar uma cura que possibilite ao pobre homem levar uma existência normal e regular.

Entretanto, ela não é a única interessada no caso Zelig. Ele se transforma numa figura pública, todos debatem sua condição. Alguns o amam, outros o odeiam, mas não demoram em identificá-lo como uma ameaça à moral e ordem constituídas. É quando a justiça começa a enquadrá-lo. Ele é acusado de todo tipo de crime, bigamia, fraude, agressão, etc. Sua existência vazia tornou-se um elemento insuportável. Na sua vontade de tornar-se um idêntico a tudo e todos, ele acaba virando o outro do pensamento, aquilo que revela o indizível e por isso é inaceitável.
Diante dessa força corrosiva, evidentemente, não há muitas opções. Ou Zelig é reduzido a condição de uma subjetividade enformada, capturada numa identidade estável; ou sua existência é anulada, com um novo sumiço. Quando tudo parece caminhar para um final trágico, no qual o pobre Zelig se enfia no meio de um comício nazista, a sorte finalmente resolve ajudá-lo. Depois de algumas piruetas, ele consegue se livrar da enrascada e retornar para a tranqüilidade da América. E no fim, Eudora consegue a cura definitiva para seu transtorno, ou seja, garantir a manifestação de uma personalidade estável e coerente para Zelig.
O processo de subjetivação de Zelig é diretamente determinado pela ação terapêutica de Eudora. É bastante interessante lembrar que na modernidade existe um vínculo profundo entre subjetivação e dispositivos psi. O filme não faz nada mais do que assinalar para a profunda correlação desses dois movimentos. Nada mais patológico, do ponto de vista psíquico, do que a impossibilidade de assumir uma subjetividade. E o que acontece no fim é exatamente isso, a ameaça destrutiva de Zelig é convertida numa positividade, qual seja, a verdade do sujeito que finalmente se manifesta.

Para concluir, há um parentesco muito interessante entre Zelig e outra figura muito singular, o escrivão Bartebly. Ambos manifestam, com incrível intensidade, a potência do negativo, da recusa em existir dentro do registro da normalidade. E a mera manifestação dessa recusa ameaça desestruturar a normalidade do mundo. No fim, o destino de ambos é o mesmo: a domesticação que encerra qualquer possibilidade de insistir no não.
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Trazido de:
http://www.ensaiosababelados.com.br/zelig-de-woody-allen/
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"Zelig"
Estados Unidos - 1983
preto e branco (cor em algumas cenas)
79 min
Direção Woody Allen
Produção Robert Greenhut
Elenco original:
- Woody Allen
- Mia Farrow
Música - Dick Hyman e Pierce Delahunt
Cinematografia - Gordon Willis
Edição - Susan E. Morse
Distribuição - Orion Pictures (via Warner Bros.)
Lançamento - 15 de julho de 1983 - EUA
Receita US$ 11.798.616
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quarta-feira, 30 de junho de 2010

"300"... As referências locais e a visão do outro...

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"300"... As referências locais e a visão do outro...
Por SILVA FILHO, Rubens Antonio.
Salvador (Bahia). Primeira versão publicada parcialmente: 30 de junho de 2010.
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O filme "300" tem por referência maior o grande embate que aconteceu entre tropas helênicas e o grande exército persa, cujo ápice ocorreu, nesta obra, no Passo das Termópilas.
Em primeiro lugar, abordemos a questão da realidade do quadro visual do sítio onde se deu o embate. se o filme é referenciado em um depoimento d eum espartano que falta terrivelmente com a verdade quando relata o "outro"?
Quanto de realidade há na visão expressa no filme em relação àquele sítio?
John C. Kraft, Professor de Geologia e Geologia Marinha, George Rapp Jr., Professor de Geologia e Arqueologia, G. J. Szemler, Professor de História Grega Antiga, Christos Tziavos, geólogo e micropaleontólogo, e Edward W. Kase, Professor de História Antiga, realizaram e publicaram o trabalho:
"KRAFT, John C.; RAPP Jr,George; SZEMLER, George J.; TZIAVOS, Christos; KASE, Edward W.. “The Pass at Thermopylae, Greece.” Boston (Estados Unidos da América do Norte): Boston University, Journal of Field Archaeology (r), v. 14, n. 2, p. 181-198, verão de 1987."
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Estes estudiosos realizaram uma abordagem através de uma área da Ciência que atualmente é denominada Geoarqueologia. Objetivavam resgatar o contexto físico do Passo das Termópilas para o momento daquela batalha.
Isto, afinal, sendo uma localidade muito dinâmica, em termos geológicos, ele deve ter sido diferente em 480 aC.
As Termópilas, do grego antigo Θερμοπύλαι, do demótico Θερμοπύλες, eram os "Portões Quentes" da Grécia. Uma estreita faixa de areia entre a água e as grandes elevações interiores da Grécia, que deveria ser ultrapassada por qualquer exército invasor que viesse do oriente.
Este trabalho aponta que os conflitos entre historiadores da Batalha tendem a se centrar em torno de supostas inconsistências entre antigas fontes e a topografia moderna da região. Essa área é um local submetido às mais intensa atividades tectônicas, flutuações do nível do mar e taxas de sedimentação elevadas.
As tentativas de se reconstituir os antigos eventos com base na topografia atual, sem um aprofundamento no que seria o estado do momento da batalha, resultavam ainda em muitas imprecisões e erros.
Os estudiosos realizaram, inclusive, furos de sondagem no Golfo de Malia, que revelaram a progressão da modificação do nível do mar, na área, com informações que foram agregadas a mapas antigos e análises geológicas mais amplas.
Os resultados mostram claramente que uma incursão marinha holocênica modificou consideravelmente a fisiografia nas Termópilas. Este trabalho reconstituiu a linha de praia para cerca de 4500 aC, 480 aC, 1800, 1830, 1878, 1950 e 1972, e examinou as variações na geomorfologia local.


Localização da linha de costa em vários momentos e situação do Passo das Termópilas, em 480 aC. (Kraft, Rapp Jr, Szemler, Tziavos, Kase, 1987)

As evidências geológicas e geomorfológicas sugerem que o passo das este fechado por longos instantes da história mais antiga, provavelmente tendo menos importância em tais momentos como rota para a Grécia meridional.


Fileiras de espartanos entre dois grandes paredões, no filme "300". Visão errada da situação real.


Exército persa avança por estreita faixa de praia. Visão próxima da real. Filme "300"

Quando da Batalha de 480 aC, ele se constituía em uma faixa de 20 a 30 metros de largura, na qual se acumularam entre 5.200 e 6.100 helenos, fazendo frente ao exército persa de cerca de 80.000 orientais. Desta maneira, a imagem que abre esta postagem está errada, ao mostrar um campo bem mais amplo que o historicamente real.


Localização da linha de costa em 480 aC e roteiro do início do flanqueamento persa. (Kraft, Rapp Jr, Szemler, Tziavos, Kase, 1987)

Atualmente, plano em que aconteceu a batalha está a cerca de 20 metros de profundidade, sepultado por sedimentos, principalmente carbonáticos.


Visual atual da antiga localização do Passo das Termópilas. O plano da batalha está a cerca de 20 metros de profundidade. Compare esta imagem com a anterior do exército pesa avançando. Perceba que as elevações ao fundo foram aproveitadas na digitalização do filme "300".

O recuo da linha do mar e a sedimentação provocaram o rápido alargamento da antiga faixa de terra a tal ponto que, quando da nova Batalha das Termópilas, em 191 aC, entre o exército de Antíocos III, dito Antíocos o Grande (Ἀντίoχoς Μέγας), e uma legião romana comandada por Manius Acilius Glabrio, aquele soberano preferiu assentar sua defesa não mais no mesmo ponto.


Reconstituição artística. Próxima ao real histórico do evento.
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Reprodução recente (1955) da pedra que repousou, com o epitáfio redigido por Simonides, sobre o monte dos corpos dos helenos mortos no Passo das Termópilas:
Ω ΞΕΙΝ', ΑΓΓΕΛΛΕΙΝ ΛΑΚΕΔΑΙΜΟΝΙΟΙΣ ΟΤΙ ΤΗΔΕ
ΚΕΙΜΕΘΑ ΤΟΙΣ ΚΕΙΝΩΝ ΡΗΜΑΣΙ ΠΕΙΘΟΜΕΝΟΙ
Vá, Estrangeiro, aos Lacedemônios dizer
que aqui, obedecendo a sua palavra, nós caímos
.”
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EM CONTRUÇÃO - CONTINUA
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sexta-feira, 28 de maio de 2010

"Wuthering Heights"... "O Morro dos Ventos Uivantes"


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Resenha em 28 de maio de 2010
Por: SILVA FILHO, Rubens Antonio
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Uma das obras de maior impacto de todos os tempos, sendo referência para alguns filmes, é a "Wuthering Heights", da inglesa Emily Jane Brontë (30/07/1818- 19/12/1848), foi um romance cuja versão, em português, brilhou com o título "O Morro dos Ventos Uivantes".
Emily teve irmãs que, como ela, acabaram tornado-se grandes referências da Literatura inglesa. Charlotte Brontë (1816-1855) brilhou com "O Professor" e "Jane Eyre", e Anne Brontë (1829-1849), com "Agnes Grey" e "O Inquilino de Windfel Hall". Todas usaram pseudônimos em suas obras. Anne subscrevia Acton Bell, Charlote assinava Currer Bell e Emily lançou sua obra como Ellis Bell, nomes masculinos, pois os tempos eram bem mais receptivos a mulheres retraídas em praticamente todos os campos da cultura, da política e da ciência. Autores tinham de ser masculinos. As similaridades entre essas autoras eram muitas e por isso, nas palavras de Charlotte:
"Pensou-se, durante algum tempo, que todas as obras editadas com os nomes de Currer, Ellis e Acton Bell fossem, realmente, o produto da pena de uma só pessoa".
Uma descrição de Emily apareceu como Nota Biográfica, em uma reimpresão da sua publicação. De grande valor, foi mantida em praticamente todas as reedições, mesmo em outras línguas, por ter sido lavrada por sua própria irmã, Charlotte, ainda em 1850, menos de dois anos após o falecimento da escritora. Além disto, "Charlotte foi uma das poucas pessoas que puderam descrever a personalidade de Emily, uma vez que ela não deixou nenhuma correspondência e a sua obra não nos dá nenhuma chave que a possa decifrar.
Escreveu assim Charlotte:
"Um belo dia, no outono de 1845, descobri, acidentalmente, um caderno de versos escritos na letra da minha irmã Emily. Não fiquei surpresa, pois sabia que ela escrevia versos"li-os e algo mais do que surpresa tomou conta de mim – a certeza de que aquelas não eram efusões comuns, nem de forma alguma semelhantes aos versos que as mulheres geralmente escrevem. Achei-os condensados e tensos, vigorosos e genuínos. pareciam-me, também, ter uma música peculiar – selvagem, melancólica e inspiradora.
Minha irmã Emily não era pessoa comunicativa, nem permitia que ninguém – nem mesmo a família – penetrasse, sem pedir licença, nos recessos da sua mente ou dos seus sentimentos. Foram necessárias horas para que se reconciliasse comigo pela descoberta que eu fizera e dias para persuadi-la de que aqueles poemas mereciam ser publicados. Eu sabia que uma personalidade como a dela não podia deixar de conter alguma centelha latente de ambição honrada e recusei-me a desistir das minhas tentativas de inflamá-la...
Em Emily, os extremos do vigor e da simplicidade pareciam encontrar-se. Sob uma cultura destituída de sofisticação, gostos naturais e uma aparência modesta, jaziam um fogo e umpoder scretos, que poderiam ter inflamado as veias e alimentado o cérebro de um herói; mas ela não tinha conhecimentos mundanos; os seus poderes não se adaptavam aos aspectos práticos da vida: ela não saberia defender os seus mais manifestos direitos, lutar pelas suas mais legítimas conveniências. teria sempre de haver alguém entre ela e o mundo. A sua vontade não era flexível e geralmente se opunha aos seus interesses. O seu gênio era magnânimo, mas quente e impetuoso; o seu espírito,um modelo de firmeza... Nem Emily nem Anne eram intelectuais; não lhes passava pela cabeça aproveitar os frutos de outras mentes; escreviam sempre sob o impulso da natureza, sob os ditames da intuição e com os dados da observação que a sua limitada experiência lhes permitira acumular. Sumarizando, direi que, para os estranhos, elas não eram nada, e, para observadores superficiais, menos que nada; mas, para aqueles que as haviamconhecido durante toda a vida, na intimidade de relações estreitas, elas eram genuinamente boas e verdadeiramente grandes."
A sua obra, lançada em 1847, acabando por ser sua obra única. Um pequeno mas interessante resumo dessa aparece em Civita (1973):
"O enrêdo gira em torno de Heathcliff, um coração livre que se endurece por ter sido vítima de maldades. Abandonado pela jovem qye êle amam emprega tôda a sua força para se vingar das pessoas que provocaram a separação. Num clima de ódio e revolta, Heathcliff vai aniquilando, um por um, todos aquêles que considera seus inimigos. Ninguém é poupado, nem o próprio algoz."
O impacto do seu lançamento foi claro. Uma grande parte da crítica tratou a obra como "sádica,pervertida e patológica", mas o seu caminho para o sucesso estava já demarcado, desde essa origem.
Afinal, conforme aparece em um comentário, também em Civita (1973):
"Ao aparecer O Morro dos Ventos Uivantes, o romance de Charlotte (Jane Eyre) encontrava-se na segunda edição. Os leitores que haviam vibrado com as desventuras de Jane Eyre não podiam compreender a violência da obra de Emily, posteriormente considerada a mais talentosa das irmãs Brontë e uma das maiores romancistas da Literatura Universal.
Pela primeira vez na literatura romântica, as personagens não são rìgidamente classificadas como boas ou más. Vícios e virtudes nelas se mesclam, como nas criaturas reais. Entre os protagonistas – Heathcliff e Cathy – existe um amor torturado, levando antes à destruição que à felicidade. As personagens mais próximas dos tipos virtuosos são fracas e suscitam pena. A autora se abstém de apresentar juízos morais e, pela maneira como descreve as figuras principais, percebe-se que sua simpatia se volta para os que sofrem.A intensidade das paixões, a densidade das sombras que pairam sôbre as personagens, a violência do amor e do ódio constituem elementos característicos do livro e entremostram a riqueza de sentimentos que Emily guardava dentro de si. O clima tenso da obra não impede, todavia, a presença de um lirismo estranho e comovente, em que as paixões humanas são tratadas de maneira incisiva."
E foi sobre essa obra de Emily Brontë que se debruçou a então desconhecida cantora inglesa contemporânea Kate Bush. Sua música "Wuthering Heights" causou forte impressão no Brasil, quando, na década de 1970, encheu os nossos lares como fundo de uma propaganda de cigarros. As imagens belas de sempre, com que a indústria do tabaco brindava nossos olhos, pareciam ser dominadas por aquela música, que se sobressaía demais. O "gritado" com que trabalhava essa obra, revestia-a de uma harmonia antes não imaginada, e uma beleza de extremo grau de elaboração.
A "música daquela propaganda de cigarro" elevou-se, com seu impacto escapando aos degustadores de músicas mais elaboradas e marcadas pela exoticidade. Caiu como uma luva no gosto popular, garantindo à sua autora ser carinhosamente evocada nas rádios brasileira de então, como "a inglesinha Kate Bush". A abrangência do seu sucesso, soube-se logo, era mundial.
Mas, além desse ponto de sucesso abrangente de vendas, Kate rompeu, já nesse debutar, uma outra fronteira. A das obras de arte que, mais que um momento, revestem-se de um aspecto que as torna referência cultual. Foi exatamente o lidar com elementos que miscigenavam, com rara felicidade, forma e conteúdo que colocou cantora e canção, indissolúveis, numa espécie de limbo.
Para a compreensão da música, vejamos os seguintes recortes:
Página 20: "A propriedade do Sr. Heatcliff chama-se, adequadamente, Wuthering Heights, sendo wuthering um significativo adjetivo provinciano para designar o tumulto atmosférico ao qual ela está sujeita em tempo tempestuoso. De fato, ali sempre sopra um ar puro e estimulante; pode-se imaginar a fúria do vento do norte soprando sobre a propriedade, pela excessiva inclinação de alguns enfezados abtos plantados na extremidade da casa e por uma fila de esqüálidos espinheiros, todos estendendo os seus membros na mesma direção, como se pedindo esmolas ao sol."
Página 40, Lockwood fala:
"Lembrava-me de que estava deitado no compartimento de carvalho e ouvia distintamente a ventania e o bater da neve contra o telhado; ouvia, também o galho de pinheiro roçar contra a vidraça e sabia o que provocava aquele barulho impertinente; mas a tal ponto ele me incomodava que resolvi silenciá-lo. Levantei-me e tentei abrir a janela. A lingüeta estava soldada, fato que eu observara quando acordado, mas me esquecera.
– Tenho de acabar com esse barulho, seja como for! – murmurei, partindo a vidraça com o punho e esticando um braço para agarrar o importuno galho. Em vez disso, porém, meus dedos pegaram os dedos de uma mão pequenina e gelada! O intenso horror do pesadelo tomou conta de mim: tentei retirar a mão, mas a mãozinha agarrou-se ainda mais a ela e uma vozinha melancólica soluçou:
- deixe-me entrar... deixe-me entrar! – Quem é você? – perguntei, enquanto lutava por me libertar.
– Catherine Linton – respondeu a voz, como se tremesse de frio (por que razão fui pensar em Linton? Tinha lido o nome Earnshaw vinte vezes mais do que Linton). – Voltei. Perdi-me na charneca!
Enquanto ela falava, distingui, na escuridão, um rosto de criança olhando através da janela. O terror tornou-me cruel; e, vendo que er inútil livrar-me da criatura, puxei-lhe o pulso através da vidraça partida,para frente e para trás, até que o sangue escorreu e encharcou a roupa da cama. Mesmo assim, a voz continuou a gemer:
– Deixe-me entrar! – e a manter a mão agarrada à minha, quase me enlouquecendo de pavor.
– Como é que eu posso? – consegui, por fim, dizer. – Solte-me para que eu a possa deixar entrar!
Os dedos relaxaram um pouco sua pressão. Recolhi depressa a minha mão através do buraco, empilhei os livros numa pirâmide, a fim de tapá-lo, e levei as mãos ao ouvidos, para não ouvir o lamentoso pedido. Acho que os conservei fechados mais de um quarto de hora; mas, logo que os destapei, ouvi de novo o triste gemido.
– Fora! – gritei. – Nunca deixarei você entrar, nem que fique aí pedindo durante vinte anos!
– Faz mesmo vinte anos – gemeu a voz -, vinte anos. Há vinte anos que ando perdida!
Ouvi arranhar levemente a vidraça, e a pilha de livros começou a se mexer, como se alguém a empurrasse. Tentei levantar-me, mas não consegui mover-me... e então soltei um grito, no auge do pavor.
"
Página 44:
"(Heathcliff) Subiu na cama e abriu a gelosia, explodindo, ao fazê-lo, numa incontrolável torrente de lágrimas. – Entre! Entre! soluçou.- Cathy. Entre. Oh, venha... venha... uma vez mais! Oh, minha adorada! Escute-me agora, Catherine, finalmente! – o espectro mostrou um caprich bem digno dos espectros: não deu sinais de vidas; mas a neve e o vento entraram à vontade, chegando até onde eu estava e apagando a luz."
Foi sobre essa matriz forte,vigorosa, riquíssima, que a compositora inglesa Kate Bush atuou de maneira eficaz na tradução do estado de tormento do espírito de Cathy, cuja "fantasmagoria", permeia à exaustão na extensão da sua música gritada. Não há como,para aqueles que lêem uma obra sentindo, não enxergar uma continuidade, uma interligação perfeita, entre Brontë – Bush.
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BRONTË, Emily. "O Morro dos Ventos Uivantes". São Paulo (São Paulo): Círculo do Livro S.A., trad. Vera Pedroso, 1985.
CIVITA, Victor. "Os Imortais da Literatura Universal". São Paulo (São Paulo): Abril S.A. Cultural e Industrial, v.1, 1973:
GEARY, Rick. "Adaptação de O Morro dos Ventos Uivantes, de Charlotte Brontë." São Paulo (São Paulo): Editora Abril Jovem S.A., outubro / 1991.

segunda-feira, 5 de abril de 2010

"O Nome da Rosa"

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"O Nome da Rosa... Um passeio pelo filme..."
por Rubens Antonio da Silva Filho
Salvador, Bahia, Brasil
Primeira versão: 22 de julho de 2010.
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O filme "O Nome da Rosa" foi produzido a partir do texto "Il nome della Rosa", de Umberto Eco, publicado em 1980.
Ambientado em um monastério medieval, em 1327, tem como protagonista William (Guglielmo), da Baskerville, e coprotagonista Adso, de Mölk (Melk). Outras personagens de destaque são:
- Jorge, de Burgos
- Bernardo Gui
- Malachia, de Hildesheim
- Salvatore
- Remigio, de Varagine
- Severino, de Sant'Emmerano
- Bencio, de Upsala
- Berengario, de Arundel
- Venanzio, de Selvemec
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O livro e o filme guardam profundas relações, apesar de o filme ser mais firme em sua rota policialesca, não perdendo a riqueza. Esta aparece especialmente sob a forma de muitas metáforas.
Em primeiro lugar, o franciscano William de Baskerville é uma alusão direta a duas personagens, uma real e outra ficcional.
A primeira William of Ockham, filósofo inglês e monge franciscano, do século XIV. A esta figura histórica ficou aderida ao denominado Princípio da Parcimônia. Publicada e muito divulgada em seu trabalho “Expositio aurea et admodum utilis super totam artem veterem”, acabou cognominada Navalha de Ockham. Na verdade, trata-se de um princípio emanado da Idade Média, que acabou assumido pelo Conhecimento Científico como parte da sua estratégia ou aparato metodológico.
baseia-se em algumas observações.
Do latim, “Frustra fit per plura, quod fieri potest per pauciora.”, o que, traduzindo, significa “É desnecessário fazer com mais o que se pode fazer com menos.” Em outras palavras, “Essentia non sunt multiplicanda praeter necessitatem.”, ou seja “O essencial não deve ser multiplicado sem necessidade.”
Também pode ser encontrado esse “Pluralitas non est ponenda sine neccesitate” - “A pluralidade não deve ser colocada sem necessidade” ou “Entia non sunt multiplicanda praeter necessitatem”, ou seja, “Não multiplique hipóteses desnecessariamente”.
Em suma, podemos transportar para o nosso raciocínio da seguinte maneira... Se há duas possibilidades, devemos escolher a mais simples para ser aquela que mais se aproxime da correção.
Claro que este princípio é mera estratégia, e pode ser que a rota mais complicada seja a real. Mas o princípio busca regular a posição do estudioso, fugindo ao subjetivismo.
Em suma, William é uma evocação de um monge que buscava a verdade, através de uma abordagem científica.
A outra evocação que aparece no nome do mestre do romance é no seu Baskerville. É uma sinalização muito clara em direção a “The Hound of the Baskervilles”, livro de Sir Arthur Conan Doyle. a comparação dos métodos de William de Baskerville com Sherlock Holmes é muito sugestiva.
Esta consideração se torna ainda mais clara, mergulhando na obviedade, quando vemos no nome do discípulo ou aprendiz Adso uma derivação direta do nome do par de Sherlock Holmes, Watson.



Planta da Biblioteca.

A Biblioteca é o sítio de maior atratividade nas obras, seja o livro seja o filme.
E ela se divide em partes, com
De Jorge Luis Borges retira-se outra remissão de Eco.
Em seu conto “A biblioteca de Babel”, aparece a interpretação ou leitura da biblioteca com o Universo.
A própria disposição em planta da edificação, com seus hexágonos alongados, em que o “lado estirado” aponta para o centro é uma derivação do texto de Borges.
Aparece em seu texto: “O universo (que outros chamam a Biblioteca) compõe-se de um número indefinido, e talvez infinito, de galerias hexagonais, com vastos poços de ventilação no centro, cercados por balaustradas baixíssimas. De qualquer hexágono, vêem-se os andares inferiores e superiores: interminavelmente. (...) Os idealistas argúem que as salas hexagonais são uma forma necessária do espaço absoluto ou, pelo menos, de nossa intuição do espaço. Alegam que é inconcebível uma sala triangular ou pentagonal. (os místicos pretendem que o êxtase lhes revele uma câmara circular com um grande livro circular de lombada contínua, que siga toda a volta das paredes; mas seu testemunho é suspeito; suas palavras, obscuras. Esse livro cíclico é Deus). Basta-me, por ora, repetir o preceito clássico: "A Biblioteca é uma esfera cujo centro cabal é qualquer hexágono, cuja circunferência é inacessível".”
A Biblioteca é dada, licitamente, como sinônimo da figura geométrica, e a existência de monges censores, como Jorge de Burgos e Malachia aparece clara: “Outros, inversamente, acreditaram que o primordial era eliminar as obras inúteis. Invadiam os hexágonos, exibiam credenciais nem sempre falsas, folheavam com fastio um volume e condenavam prateleiras inteiras: a seu furor higiênico, ascético, deve-se a insensata perda de milhões de livros.”
É esta biblioteca que, enquanto torre isolada e trancada, surge como Metáfora da Vida.
Nela permeiam os conhecimentos agregados ao longo de gerações, cercados, isolados, elevando-se.


È a dimensão do isolacionismo do Conhecimento e do erudito tal qual na crítica de Aristófanes, no seu “As Nuvens”:
“Estrepsíades:
- Estás me ouvindo Sócrates? Ô Sócrates! (nenhuma resposta vinda do cesto) Quero falar contigo, grande Sócrates!
Sócrates (de uma grande altura filosófica):
- Homem vulgar, de mim o que desejas?
Estrepsíades:
- O que estás fazendo aí trepado?
Sócrates:
- Eu caminho no ar, e olho o Sol de cima para baixo. Não estás vendo?

O percorrer entusiasmado de William de Baskerville pela Biblioteca, “a maior da Cristandade”, eleva-se em Borges: “Afirmo que a Biblioteca é interminável.”
O texto de Borges é também uma clara evocação à narrativa desenvolvida pelo Adso envelhecido: “Como todos os homens da Biblioteca, viajei na minha juventude; peregrinei em busca de um livro, talvez do catálogo de catálogos; agora que meus olhos quase não podem decifrar o que escrevo, preparo-me para morrer; a poucas léguas do hexágono em que nasci. Morto, não faltarão mãos piedosas que me joguem pela balaustrada; minha sepultura será o ar insondável; meu corpo cairá demoradamente e se corromperá e dissolverá no vento gerado pela queda, que é infinita.”
Uma outra metáfora que podemos referir é aquela da biblioteca enquanto um labirinto.
É evocação direta às múltiplas possibilidades do Conhecimento e de um perigo que se apresenta a quem nele mergulha. Ou se metodiza, setoriza, afirma-se muito claramente uma direção, ou o “canto da sereia” de tudo o quanto há de interessantíssimo fará o estudioso perder-se.
Outro ponto. Ainda que conversando, mestre e discípulo acabam, nessa jornada, se separando. Ambos distantes, um pode ser considerado perdido em relação ao outro, enquanto suas vozes vão se tornando vagos ruídos distantes. Além disso, apesar de ambos estarem igualmente separados, quem se declara perdido é o discípulo. Este é orientado, de maneira segura, ao reencontro, pelo mestre.
Indo além, reencontrados, que ocorre? Adso, o aprendiz , assusta-se com uma figura que vê. Ao mestre cumpre chamar a atenção do que é aquilo que ele vê. É um reflexo seu.
Naquele espelho, sua imagem é distorcida, entretanto é ele.
O aprendiz se assusta com o espelho, na Biblioteca. Metáfora da Vida.

Remeter ao assustamento que a própria imagem, a descoberta do eu provoca, é algo importante para ser destacado. A viagem do auto-conhecimento assusta.
Mulher diante do espelho - Pablo Picasso
Um espelho que não espanta, mas surpreende, de uma maneira afiada, profunda, é o relatado por Cecília Meirelles. É um espelho, conforme lembra Laís Barreto (2006), que fala de ruínas e lembranças. É um espelho caverna, em que a pessoa se busca e se pergunta, como Cecília, no seu "Retrato":
"Eu não dei por esta mudança,
Tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida
A minha face?
"
Em ambos espelhos um confronto. Um que revela. Outro que oculta.
Em ambos uma perplexização que impressiona.
É o espelho em que mergulhamos, por um instante, no encontro forçado ou na tentativa de contato.
É o espelho um outro labirinto em que, como Narciso, podemos mergulhar para não mais emergirmos.
O “Scriptorium”, face visível da Biblioteca, é um local já pesado, em que se dá o confronto verbal entre William de Baskerville e Jorge de Burgos. Em Francis Bacon, no seu Livro I, que trata do “Aforismos sobre a interpretação da Natureza e do Reino do Homem”, parte do seu “Novum Organum”, de 1620, aparece: “Os estudos dos homens, nesses locais, estão encerrados como em um cárcere, em escritos de alguns autores. Se alguém deles ousa dissentir, é logo censurado como espírito turbulento e ávido de novidades.” Mas, seguindo Demócritos, de Abdera, em sua colocação de início do século IV aC: “À censura dos maus o homem bom não dá atenção.”
A visão da austeridade e do mau humor do venerável Jorge é uma dada sátira que remete a Jorge Luis Borges. Inclusive a sua cegueira atenta é evocada com destaque. Assim, vemo-nos, mais uma vez, brincando com os nomes, e Jorge Borges é tornado Jorge Burgos.
A figura deste monge, com seu racionalismo profundo é confrontado pelos leveza, bom humor e simpatia de William de Baskerville de maneira extremamente evidente.
Colocam-se em posições opostas duas razões, uma plena de racionalismo seco e outra plena de racionalismo emocionalista. Ambas chegam a se confundir com meras expressões de Emoção e Razão. Entretanto, a o que temos em William é uma racionalidade emocional, por vezes lírica, ora passional, que se representa por sensibilidade e entusiasmo.
Portanto, mergulha-se em uma dicotomia que aponta para Apolismo e Dionisismo, dois conceitos-pilar caros a Nietzsche, expressos em seu “A origem da Tragédia”.
O racionalista é um velho cego e mal-humorado.

De certa maneira é uma forçada maniqueísta de posições, assumida no embate, em que o "bem" chama-nos com empatia e o "mal" nos empurra para fora da sua órbita, com profunda antipatia.
A crítica ao modo de racionalismo monolítico, censor e autoritário é cara neste confronto, em que um velho cego e mal-humorado, que, no final das contas, é um assassino que envenena aos incautos. E qual o método de assassinato por envenenamento do racionalista cego e que abre mão da Comédia? Com o livro, que poderia ter sido destruído desde antes, o censor procura destruir os que o buscam.
Ou seja, a utilização daquilo que se busca como ponto de destruição daqueles que buscam. Soa, assim, o desejo, tomado pelo racionalista Jorge de Burgos, como algo a ser explorado para punir os transgressores.

A cegueira do Venerável Jorge, relação direta em relação ao pensamento obscurantista, está muito presente na sua condenação do humor, seu caráter austero, sombrio, sua velhice, num sentido ruim. São facetas visíveis de um passado que persiste.
Sua condenação de livros é uma conseqüência da sua disposição.
E podemos enxergar, neste rumo, uma insinuação da observação de Francis Bacon, ainda em seu “Novum Organum”, nos “Aforismos sobre a interpretação da Natureza e do Reino do Homem.”: “Não se deve esquecer de que, em todas as épocas, a filosofia se tem defrontado com um adversário molesto e difícil na superstição e no zelo cego e desmedido da religião.”
E, neste trecho, uma vez reafirmada a questão da cegueira e da sua relação com zelo. É precisamente este problema que se centra em Jorge de Burgos.
E, na lida do destino, o envenenador, seguindo o dito popular, acaba provando do seu próprio veneno e através dele sucumbe.
Este ponto merece ainda reforço de destaque. Os livros, mesmo aqueles que mais nos interessam e seduzem, podem ter venenos que nos matem de alguma maneira... Morre-se com a língua negra e os olhos revirando. O que falamos e o que vemos. Metáforas da Vida.
E o livro censurado, passado a ser utilizado como armadilha, apenas tem, por isso, travado o seu destino. Afinal, conforme sinaliza Francis Hume em sua “Investigação acerca do Entendimento Humano”: “A moral e a crítica não são propriamente objetos do entendimento, porém do gosto e do sentimento. A beleza, moral ou natural, é antes sentida que propriamente percebida. Ou, se raciocinamos a seu respeito, e tentamos estabelecer sua norma, consideramos um novo fato, derivado do gosto geral dos homens, ou algum fato análogo que pode ser objeto do raciocínio e da investigação... Quando percorremos as bibliotecas, persuadidos destes princípios, que destruição deveríamos fazer? Se examinarmos, por exemplo, um volume de teologia ou de metafísica escolástica e indagarmos: Contém algum raciocínio abstrato acerca da quantidade ou do número? Não. Contém algum raciocínio experimental a respeito das questões de fato e de existência? Não. Portanto, lançai-o ao fogo, pois não contém senão sofismas e ilusões.”
E é assim que a obra, centro de toda trama desenrolada, tem seu fim. No fogo.

E qual a maneira de lidar com o nosso desejo que pode ter sido trabalhado para nos matar? Este é outro ponto evocado em Nietzsche. Este, adversário notório dos idealistas, indicou não abrir mão de trabalhar com ideais. Entretanto, segundo este autor, deve-se trabalhar com luvas.
Se, em Nietzsche, isto é uma ação a ser desempenhada em relação àquilo com que se discorda, em Umberto Eco aponta também para aquilo que desejamos.

Metáfora Nietzcheana: O sábio toca o livro, mas usando luvas, para evitar seu veneno.

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Outro ponto de clara evocação. Primeiramente, não esqueçamos, à biblioteca William chega subindo uma longa escada e entrando por um alçapão. E é quando o sábio, em meio à sua satisfação, cai em uma armadilha. Um alçapão, na Biblioteca, abre-se sob seus pés.

E quando é que o mestre cai no alçapão? Quando se distrai devido à sua arrogância intelectual. Enquanto o discípulo se assusta com algo, o mestre se aproxima e diz:
- Garoto bobo. É apenas um espelho.
Descuida-se de onde pisa, e cai.
Da queda é salvo pelo discípulo, o “garoto bobo”.
É mais um alerta que emerge desta obra, em uma perfeita metáfora da Vida.
O discípulo, perdido em meio a muitos livros, angustia-se.
- E como vamos achar o livro?
A resposta do mestre não poderia ser diferente:
- Com calma. Com muita calma.
É o passo do Conhecimento. É a mesma indicação que aparece no filme “Contato”, baseado no livro homônimo de Carl Sagan. Ali, quando a aprendiz de cientista afoita, Eleanor Arroway quer avançar com mais velocidade, o seu mestre, que também é sue pai, aponta, com voz suave:
- Movimentos lentos, Ellie... Movimentos lentos...
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Texto em contrução.
Serãoa crescentados ainda outros elementos.

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Título Original do livro: Der Name Der Rose
Título Original do filme: The Name of The Rose
Gênero: Suspense
Tempo de Duração: 130 minutos
Ano de Lançamento (Alemanha): 1986
Elenco:
Sean Connery (William de Baskerville)
Christian Slater (Adso von Melk)
Helmut Qualtinger (Remigio da Varagine)
Elya Baskin (Severinus)
Michael Lonsdale (Abade)
Volker Prechtel (Malachia)
Feodor Chaliapin Jr. (Jorge de Burgos)
William Hickey (Ubertino da Casale)
Michael Habeck (Berengar)
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