segunda-feira, 5 de abril de 2010

"O Nome da Rosa"

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"O Nome da Rosa... Um passeio pelo filme..."
por Rubens Antonio da Silva Filho
Salvador, Bahia, Brasil
Primeira versão: 22 de julho de 2010.
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O filme "O Nome da Rosa" foi produzido a partir do texto "Il nome della Rosa", de Umberto Eco, publicado em 1980.
Ambientado em um monastério medieval, em 1327, tem como protagonista William (Guglielmo), da Baskerville, e coprotagonista Adso, de Mölk (Melk). Outras personagens de destaque são:
- Jorge, de Burgos
- Bernardo Gui
- Malachia, de Hildesheim
- Salvatore
- Remigio, de Varagine
- Severino, de Sant'Emmerano
- Bencio, de Upsala
- Berengario, de Arundel
- Venanzio, de Selvemec
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O livro e o filme guardam profundas relações, apesar de o filme ser mais firme em sua rota policialesca, não perdendo a riqueza. Esta aparece especialmente sob a forma de muitas metáforas.
Em primeiro lugar, o franciscano William de Baskerville é uma alusão direta a duas personagens, uma real e outra ficcional.
A primeira William of Ockham, filósofo inglês e monge franciscano, do século XIV. A esta figura histórica ficou aderida ao denominado Princípio da Parcimônia. Publicada e muito divulgada em seu trabalho “Expositio aurea et admodum utilis super totam artem veterem”, acabou cognominada Navalha de Ockham. Na verdade, trata-se de um princípio emanado da Idade Média, que acabou assumido pelo Conhecimento Científico como parte da sua estratégia ou aparato metodológico.
baseia-se em algumas observações.
Do latim, “Frustra fit per plura, quod fieri potest per pauciora.”, o que, traduzindo, significa “É desnecessário fazer com mais o que se pode fazer com menos.” Em outras palavras, “Essentia non sunt multiplicanda praeter necessitatem.”, ou seja “O essencial não deve ser multiplicado sem necessidade.”
Também pode ser encontrado esse “Pluralitas non est ponenda sine neccesitate” - “A pluralidade não deve ser colocada sem necessidade” ou “Entia non sunt multiplicanda praeter necessitatem”, ou seja, “Não multiplique hipóteses desnecessariamente”.
Em suma, podemos transportar para o nosso raciocínio da seguinte maneira... Se há duas possibilidades, devemos escolher a mais simples para ser aquela que mais se aproxime da correção.
Claro que este princípio é mera estratégia, e pode ser que a rota mais complicada seja a real. Mas o princípio busca regular a posição do estudioso, fugindo ao subjetivismo.
Em suma, William é uma evocação de um monge que buscava a verdade, através de uma abordagem científica.
A outra evocação que aparece no nome do mestre do romance é no seu Baskerville. É uma sinalização muito clara em direção a “The Hound of the Baskervilles”, livro de Sir Arthur Conan Doyle. a comparação dos métodos de William de Baskerville com Sherlock Holmes é muito sugestiva.
Esta consideração se torna ainda mais clara, mergulhando na obviedade, quando vemos no nome do discípulo ou aprendiz Adso uma derivação direta do nome do par de Sherlock Holmes, Watson.



Planta da Biblioteca.

A Biblioteca é o sítio de maior atratividade nas obras, seja o livro seja o filme.
E ela se divide em partes, com
De Jorge Luis Borges retira-se outra remissão de Eco.
Em seu conto “A biblioteca de Babel”, aparece a interpretação ou leitura da biblioteca com o Universo.
A própria disposição em planta da edificação, com seus hexágonos alongados, em que o “lado estirado” aponta para o centro é uma derivação do texto de Borges.
Aparece em seu texto: “O universo (que outros chamam a Biblioteca) compõe-se de um número indefinido, e talvez infinito, de galerias hexagonais, com vastos poços de ventilação no centro, cercados por balaustradas baixíssimas. De qualquer hexágono, vêem-se os andares inferiores e superiores: interminavelmente. (...) Os idealistas argúem que as salas hexagonais são uma forma necessária do espaço absoluto ou, pelo menos, de nossa intuição do espaço. Alegam que é inconcebível uma sala triangular ou pentagonal. (os místicos pretendem que o êxtase lhes revele uma câmara circular com um grande livro circular de lombada contínua, que siga toda a volta das paredes; mas seu testemunho é suspeito; suas palavras, obscuras. Esse livro cíclico é Deus). Basta-me, por ora, repetir o preceito clássico: "A Biblioteca é uma esfera cujo centro cabal é qualquer hexágono, cuja circunferência é inacessível".”
A Biblioteca é dada, licitamente, como sinônimo da figura geométrica, e a existência de monges censores, como Jorge de Burgos e Malachia aparece clara: “Outros, inversamente, acreditaram que o primordial era eliminar as obras inúteis. Invadiam os hexágonos, exibiam credenciais nem sempre falsas, folheavam com fastio um volume e condenavam prateleiras inteiras: a seu furor higiênico, ascético, deve-se a insensata perda de milhões de livros.”
É esta biblioteca que, enquanto torre isolada e trancada, surge como Metáfora da Vida.
Nela permeiam os conhecimentos agregados ao longo de gerações, cercados, isolados, elevando-se.


È a dimensão do isolacionismo do Conhecimento e do erudito tal qual na crítica de Aristófanes, no seu “As Nuvens”:
“Estrepsíades:
- Estás me ouvindo Sócrates? Ô Sócrates! (nenhuma resposta vinda do cesto) Quero falar contigo, grande Sócrates!
Sócrates (de uma grande altura filosófica):
- Homem vulgar, de mim o que desejas?
Estrepsíades:
- O que estás fazendo aí trepado?
Sócrates:
- Eu caminho no ar, e olho o Sol de cima para baixo. Não estás vendo?

O percorrer entusiasmado de William de Baskerville pela Biblioteca, “a maior da Cristandade”, eleva-se em Borges: “Afirmo que a Biblioteca é interminável.”
O texto de Borges é também uma clara evocação à narrativa desenvolvida pelo Adso envelhecido: “Como todos os homens da Biblioteca, viajei na minha juventude; peregrinei em busca de um livro, talvez do catálogo de catálogos; agora que meus olhos quase não podem decifrar o que escrevo, preparo-me para morrer; a poucas léguas do hexágono em que nasci. Morto, não faltarão mãos piedosas que me joguem pela balaustrada; minha sepultura será o ar insondável; meu corpo cairá demoradamente e se corromperá e dissolverá no vento gerado pela queda, que é infinita.”
Uma outra metáfora que podemos referir é aquela da biblioteca enquanto um labirinto.
É evocação direta às múltiplas possibilidades do Conhecimento e de um perigo que se apresenta a quem nele mergulha. Ou se metodiza, setoriza, afirma-se muito claramente uma direção, ou o “canto da sereia” de tudo o quanto há de interessantíssimo fará o estudioso perder-se.
Outro ponto. Ainda que conversando, mestre e discípulo acabam, nessa jornada, se separando. Ambos distantes, um pode ser considerado perdido em relação ao outro, enquanto suas vozes vão se tornando vagos ruídos distantes. Além disso, apesar de ambos estarem igualmente separados, quem se declara perdido é o discípulo. Este é orientado, de maneira segura, ao reencontro, pelo mestre.
Indo além, reencontrados, que ocorre? Adso, o aprendiz , assusta-se com uma figura que vê. Ao mestre cumpre chamar a atenção do que é aquilo que ele vê. É um reflexo seu.
Naquele espelho, sua imagem é distorcida, entretanto é ele.
O aprendiz se assusta com o espelho, na Biblioteca. Metáfora da Vida.

Remeter ao assustamento que a própria imagem, a descoberta do eu provoca, é algo importante para ser destacado. A viagem do auto-conhecimento assusta.
Mulher diante do espelho - Pablo Picasso
Um espelho que não espanta, mas surpreende, de uma maneira afiada, profunda, é o relatado por Cecília Meirelles. É um espelho, conforme lembra Laís Barreto (2006), que fala de ruínas e lembranças. É um espelho caverna, em que a pessoa se busca e se pergunta, como Cecília, no seu "Retrato":
"Eu não dei por esta mudança,
Tão simples, tão certa, tão fácil:
- Em que espelho ficou perdida
A minha face?
"
Em ambos espelhos um confronto. Um que revela. Outro que oculta.
Em ambos uma perplexização que impressiona.
É o espelho em que mergulhamos, por um instante, no encontro forçado ou na tentativa de contato.
É o espelho um outro labirinto em que, como Narciso, podemos mergulhar para não mais emergirmos.
O “Scriptorium”, face visível da Biblioteca, é um local já pesado, em que se dá o confronto verbal entre William de Baskerville e Jorge de Burgos. Em Francis Bacon, no seu Livro I, que trata do “Aforismos sobre a interpretação da Natureza e do Reino do Homem”, parte do seu “Novum Organum”, de 1620, aparece: “Os estudos dos homens, nesses locais, estão encerrados como em um cárcere, em escritos de alguns autores. Se alguém deles ousa dissentir, é logo censurado como espírito turbulento e ávido de novidades.” Mas, seguindo Demócritos, de Abdera, em sua colocação de início do século IV aC: “À censura dos maus o homem bom não dá atenção.”
A visão da austeridade e do mau humor do venerável Jorge é uma dada sátira que remete a Jorge Luis Borges. Inclusive a sua cegueira atenta é evocada com destaque. Assim, vemo-nos, mais uma vez, brincando com os nomes, e Jorge Borges é tornado Jorge Burgos.
A figura deste monge, com seu racionalismo profundo é confrontado pelos leveza, bom humor e simpatia de William de Baskerville de maneira extremamente evidente.
Colocam-se em posições opostas duas razões, uma plena de racionalismo seco e outra plena de racionalismo emocionalista. Ambas chegam a se confundir com meras expressões de Emoção e Razão. Entretanto, a o que temos em William é uma racionalidade emocional, por vezes lírica, ora passional, que se representa por sensibilidade e entusiasmo.
Portanto, mergulha-se em uma dicotomia que aponta para Apolismo e Dionisismo, dois conceitos-pilar caros a Nietzsche, expressos em seu “A origem da Tragédia”.
O racionalista é um velho cego e mal-humorado.

De certa maneira é uma forçada maniqueísta de posições, assumida no embate, em que o "bem" chama-nos com empatia e o "mal" nos empurra para fora da sua órbita, com profunda antipatia.
A crítica ao modo de racionalismo monolítico, censor e autoritário é cara neste confronto, em que um velho cego e mal-humorado, que, no final das contas, é um assassino que envenena aos incautos. E qual o método de assassinato por envenenamento do racionalista cego e que abre mão da Comédia? Com o livro, que poderia ter sido destruído desde antes, o censor procura destruir os que o buscam.
Ou seja, a utilização daquilo que se busca como ponto de destruição daqueles que buscam. Soa, assim, o desejo, tomado pelo racionalista Jorge de Burgos, como algo a ser explorado para punir os transgressores.

A cegueira do Venerável Jorge, relação direta em relação ao pensamento obscurantista, está muito presente na sua condenação do humor, seu caráter austero, sombrio, sua velhice, num sentido ruim. São facetas visíveis de um passado que persiste.
Sua condenação de livros é uma conseqüência da sua disposição.
E podemos enxergar, neste rumo, uma insinuação da observação de Francis Bacon, ainda em seu “Novum Organum”, nos “Aforismos sobre a interpretação da Natureza e do Reino do Homem.”: “Não se deve esquecer de que, em todas as épocas, a filosofia se tem defrontado com um adversário molesto e difícil na superstição e no zelo cego e desmedido da religião.”
E, neste trecho, uma vez reafirmada a questão da cegueira e da sua relação com zelo. É precisamente este problema que se centra em Jorge de Burgos.
E, na lida do destino, o envenenador, seguindo o dito popular, acaba provando do seu próprio veneno e através dele sucumbe.
Este ponto merece ainda reforço de destaque. Os livros, mesmo aqueles que mais nos interessam e seduzem, podem ter venenos que nos matem de alguma maneira... Morre-se com a língua negra e os olhos revirando. O que falamos e o que vemos. Metáforas da Vida.
E o livro censurado, passado a ser utilizado como armadilha, apenas tem, por isso, travado o seu destino. Afinal, conforme sinaliza Francis Hume em sua “Investigação acerca do Entendimento Humano”: “A moral e a crítica não são propriamente objetos do entendimento, porém do gosto e do sentimento. A beleza, moral ou natural, é antes sentida que propriamente percebida. Ou, se raciocinamos a seu respeito, e tentamos estabelecer sua norma, consideramos um novo fato, derivado do gosto geral dos homens, ou algum fato análogo que pode ser objeto do raciocínio e da investigação... Quando percorremos as bibliotecas, persuadidos destes princípios, que destruição deveríamos fazer? Se examinarmos, por exemplo, um volume de teologia ou de metafísica escolástica e indagarmos: Contém algum raciocínio abstrato acerca da quantidade ou do número? Não. Contém algum raciocínio experimental a respeito das questões de fato e de existência? Não. Portanto, lançai-o ao fogo, pois não contém senão sofismas e ilusões.”
E é assim que a obra, centro de toda trama desenrolada, tem seu fim. No fogo.

E qual a maneira de lidar com o nosso desejo que pode ter sido trabalhado para nos matar? Este é outro ponto evocado em Nietzsche. Este, adversário notório dos idealistas, indicou não abrir mão de trabalhar com ideais. Entretanto, segundo este autor, deve-se trabalhar com luvas.
Se, em Nietzsche, isto é uma ação a ser desempenhada em relação àquilo com que se discorda, em Umberto Eco aponta também para aquilo que desejamos.

Metáfora Nietzcheana: O sábio toca o livro, mas usando luvas, para evitar seu veneno.

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Outro ponto de clara evocação. Primeiramente, não esqueçamos, à biblioteca William chega subindo uma longa escada e entrando por um alçapão. E é quando o sábio, em meio à sua satisfação, cai em uma armadilha. Um alçapão, na Biblioteca, abre-se sob seus pés.

E quando é que o mestre cai no alçapão? Quando se distrai devido à sua arrogância intelectual. Enquanto o discípulo se assusta com algo, o mestre se aproxima e diz:
- Garoto bobo. É apenas um espelho.
Descuida-se de onde pisa, e cai.
Da queda é salvo pelo discípulo, o “garoto bobo”.
É mais um alerta que emerge desta obra, em uma perfeita metáfora da Vida.
O discípulo, perdido em meio a muitos livros, angustia-se.
- E como vamos achar o livro?
A resposta do mestre não poderia ser diferente:
- Com calma. Com muita calma.
É o passo do Conhecimento. É a mesma indicação que aparece no filme “Contato”, baseado no livro homônimo de Carl Sagan. Ali, quando a aprendiz de cientista afoita, Eleanor Arroway quer avançar com mais velocidade, o seu mestre, que também é sue pai, aponta, com voz suave:
- Movimentos lentos, Ellie... Movimentos lentos...
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Texto em contrução.
Serãoa crescentados ainda outros elementos.

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Título Original do livro: Der Name Der Rose
Título Original do filme: The Name of The Rose
Gênero: Suspense
Tempo de Duração: 130 minutos
Ano de Lançamento (Alemanha): 1986
Elenco:
Sean Connery (William de Baskerville)
Christian Slater (Adso von Melk)
Helmut Qualtinger (Remigio da Varagine)
Elya Baskin (Severinus)
Michael Lonsdale (Abade)
Volker Prechtel (Malachia)
Feodor Chaliapin Jr. (Jorge de Burgos)
William Hickey (Ubertino da Casale)
Michael Habeck (Berengar)
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