sexta-feira, 28 de maio de 2010

"Wuthering Heights"... "O Morro dos Ventos Uivantes"


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Resenha em 28 de maio de 2010
Por: SILVA FILHO, Rubens Antonio
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Uma das obras de maior impacto de todos os tempos, sendo referência para alguns filmes, é a "Wuthering Heights", da inglesa Emily Jane Brontë (30/07/1818- 19/12/1848), foi um romance cuja versão, em português, brilhou com o título "O Morro dos Ventos Uivantes".
Emily teve irmãs que, como ela, acabaram tornado-se grandes referências da Literatura inglesa. Charlotte Brontë (1816-1855) brilhou com "O Professor" e "Jane Eyre", e Anne Brontë (1829-1849), com "Agnes Grey" e "O Inquilino de Windfel Hall". Todas usaram pseudônimos em suas obras. Anne subscrevia Acton Bell, Charlote assinava Currer Bell e Emily lançou sua obra como Ellis Bell, nomes masculinos, pois os tempos eram bem mais receptivos a mulheres retraídas em praticamente todos os campos da cultura, da política e da ciência. Autores tinham de ser masculinos. As similaridades entre essas autoras eram muitas e por isso, nas palavras de Charlotte:
"Pensou-se, durante algum tempo, que todas as obras editadas com os nomes de Currer, Ellis e Acton Bell fossem, realmente, o produto da pena de uma só pessoa".
Uma descrição de Emily apareceu como Nota Biográfica, em uma reimpresão da sua publicação. De grande valor, foi mantida em praticamente todas as reedições, mesmo em outras línguas, por ter sido lavrada por sua própria irmã, Charlotte, ainda em 1850, menos de dois anos após o falecimento da escritora. Além disto, "Charlotte foi uma das poucas pessoas que puderam descrever a personalidade de Emily, uma vez que ela não deixou nenhuma correspondência e a sua obra não nos dá nenhuma chave que a possa decifrar.
Escreveu assim Charlotte:
"Um belo dia, no outono de 1845, descobri, acidentalmente, um caderno de versos escritos na letra da minha irmã Emily. Não fiquei surpresa, pois sabia que ela escrevia versos"li-os e algo mais do que surpresa tomou conta de mim – a certeza de que aquelas não eram efusões comuns, nem de forma alguma semelhantes aos versos que as mulheres geralmente escrevem. Achei-os condensados e tensos, vigorosos e genuínos. pareciam-me, também, ter uma música peculiar – selvagem, melancólica e inspiradora.
Minha irmã Emily não era pessoa comunicativa, nem permitia que ninguém – nem mesmo a família – penetrasse, sem pedir licença, nos recessos da sua mente ou dos seus sentimentos. Foram necessárias horas para que se reconciliasse comigo pela descoberta que eu fizera e dias para persuadi-la de que aqueles poemas mereciam ser publicados. Eu sabia que uma personalidade como a dela não podia deixar de conter alguma centelha latente de ambição honrada e recusei-me a desistir das minhas tentativas de inflamá-la...
Em Emily, os extremos do vigor e da simplicidade pareciam encontrar-se. Sob uma cultura destituída de sofisticação, gostos naturais e uma aparência modesta, jaziam um fogo e umpoder scretos, que poderiam ter inflamado as veias e alimentado o cérebro de um herói; mas ela não tinha conhecimentos mundanos; os seus poderes não se adaptavam aos aspectos práticos da vida: ela não saberia defender os seus mais manifestos direitos, lutar pelas suas mais legítimas conveniências. teria sempre de haver alguém entre ela e o mundo. A sua vontade não era flexível e geralmente se opunha aos seus interesses. O seu gênio era magnânimo, mas quente e impetuoso; o seu espírito,um modelo de firmeza... Nem Emily nem Anne eram intelectuais; não lhes passava pela cabeça aproveitar os frutos de outras mentes; escreviam sempre sob o impulso da natureza, sob os ditames da intuição e com os dados da observação que a sua limitada experiência lhes permitira acumular. Sumarizando, direi que, para os estranhos, elas não eram nada, e, para observadores superficiais, menos que nada; mas, para aqueles que as haviamconhecido durante toda a vida, na intimidade de relações estreitas, elas eram genuinamente boas e verdadeiramente grandes."
A sua obra, lançada em 1847, acabando por ser sua obra única. Um pequeno mas interessante resumo dessa aparece em Civita (1973):
"O enrêdo gira em torno de Heathcliff, um coração livre que se endurece por ter sido vítima de maldades. Abandonado pela jovem qye êle amam emprega tôda a sua força para se vingar das pessoas que provocaram a separação. Num clima de ódio e revolta, Heathcliff vai aniquilando, um por um, todos aquêles que considera seus inimigos. Ninguém é poupado, nem o próprio algoz."
O impacto do seu lançamento foi claro. Uma grande parte da crítica tratou a obra como "sádica,pervertida e patológica", mas o seu caminho para o sucesso estava já demarcado, desde essa origem.
Afinal, conforme aparece em um comentário, também em Civita (1973):
"Ao aparecer O Morro dos Ventos Uivantes, o romance de Charlotte (Jane Eyre) encontrava-se na segunda edição. Os leitores que haviam vibrado com as desventuras de Jane Eyre não podiam compreender a violência da obra de Emily, posteriormente considerada a mais talentosa das irmãs Brontë e uma das maiores romancistas da Literatura Universal.
Pela primeira vez na literatura romântica, as personagens não são rìgidamente classificadas como boas ou más. Vícios e virtudes nelas se mesclam, como nas criaturas reais. Entre os protagonistas – Heathcliff e Cathy – existe um amor torturado, levando antes à destruição que à felicidade. As personagens mais próximas dos tipos virtuosos são fracas e suscitam pena. A autora se abstém de apresentar juízos morais e, pela maneira como descreve as figuras principais, percebe-se que sua simpatia se volta para os que sofrem.A intensidade das paixões, a densidade das sombras que pairam sôbre as personagens, a violência do amor e do ódio constituem elementos característicos do livro e entremostram a riqueza de sentimentos que Emily guardava dentro de si. O clima tenso da obra não impede, todavia, a presença de um lirismo estranho e comovente, em que as paixões humanas são tratadas de maneira incisiva."
E foi sobre essa obra de Emily Brontë que se debruçou a então desconhecida cantora inglesa contemporânea Kate Bush. Sua música "Wuthering Heights" causou forte impressão no Brasil, quando, na década de 1970, encheu os nossos lares como fundo de uma propaganda de cigarros. As imagens belas de sempre, com que a indústria do tabaco brindava nossos olhos, pareciam ser dominadas por aquela música, que se sobressaía demais. O "gritado" com que trabalhava essa obra, revestia-a de uma harmonia antes não imaginada, e uma beleza de extremo grau de elaboração.
A "música daquela propaganda de cigarro" elevou-se, com seu impacto escapando aos degustadores de músicas mais elaboradas e marcadas pela exoticidade. Caiu como uma luva no gosto popular, garantindo à sua autora ser carinhosamente evocada nas rádios brasileira de então, como "a inglesinha Kate Bush". A abrangência do seu sucesso, soube-se logo, era mundial.
Mas, além desse ponto de sucesso abrangente de vendas, Kate rompeu, já nesse debutar, uma outra fronteira. A das obras de arte que, mais que um momento, revestem-se de um aspecto que as torna referência cultual. Foi exatamente o lidar com elementos que miscigenavam, com rara felicidade, forma e conteúdo que colocou cantora e canção, indissolúveis, numa espécie de limbo.
Para a compreensão da música, vejamos os seguintes recortes:
Página 20: "A propriedade do Sr. Heatcliff chama-se, adequadamente, Wuthering Heights, sendo wuthering um significativo adjetivo provinciano para designar o tumulto atmosférico ao qual ela está sujeita em tempo tempestuoso. De fato, ali sempre sopra um ar puro e estimulante; pode-se imaginar a fúria do vento do norte soprando sobre a propriedade, pela excessiva inclinação de alguns enfezados abtos plantados na extremidade da casa e por uma fila de esqüálidos espinheiros, todos estendendo os seus membros na mesma direção, como se pedindo esmolas ao sol."
Página 40, Lockwood fala:
"Lembrava-me de que estava deitado no compartimento de carvalho e ouvia distintamente a ventania e o bater da neve contra o telhado; ouvia, também o galho de pinheiro roçar contra a vidraça e sabia o que provocava aquele barulho impertinente; mas a tal ponto ele me incomodava que resolvi silenciá-lo. Levantei-me e tentei abrir a janela. A lingüeta estava soldada, fato que eu observara quando acordado, mas me esquecera.
– Tenho de acabar com esse barulho, seja como for! – murmurei, partindo a vidraça com o punho e esticando um braço para agarrar o importuno galho. Em vez disso, porém, meus dedos pegaram os dedos de uma mão pequenina e gelada! O intenso horror do pesadelo tomou conta de mim: tentei retirar a mão, mas a mãozinha agarrou-se ainda mais a ela e uma vozinha melancólica soluçou:
- deixe-me entrar... deixe-me entrar! – Quem é você? – perguntei, enquanto lutava por me libertar.
– Catherine Linton – respondeu a voz, como se tremesse de frio (por que razão fui pensar em Linton? Tinha lido o nome Earnshaw vinte vezes mais do que Linton). – Voltei. Perdi-me na charneca!
Enquanto ela falava, distingui, na escuridão, um rosto de criança olhando através da janela. O terror tornou-me cruel; e, vendo que er inútil livrar-me da criatura, puxei-lhe o pulso através da vidraça partida,para frente e para trás, até que o sangue escorreu e encharcou a roupa da cama. Mesmo assim, a voz continuou a gemer:
– Deixe-me entrar! – e a manter a mão agarrada à minha, quase me enlouquecendo de pavor.
– Como é que eu posso? – consegui, por fim, dizer. – Solte-me para que eu a possa deixar entrar!
Os dedos relaxaram um pouco sua pressão. Recolhi depressa a minha mão através do buraco, empilhei os livros numa pirâmide, a fim de tapá-lo, e levei as mãos ao ouvidos, para não ouvir o lamentoso pedido. Acho que os conservei fechados mais de um quarto de hora; mas, logo que os destapei, ouvi de novo o triste gemido.
– Fora! – gritei. – Nunca deixarei você entrar, nem que fique aí pedindo durante vinte anos!
– Faz mesmo vinte anos – gemeu a voz -, vinte anos. Há vinte anos que ando perdida!
Ouvi arranhar levemente a vidraça, e a pilha de livros começou a se mexer, como se alguém a empurrasse. Tentei levantar-me, mas não consegui mover-me... e então soltei um grito, no auge do pavor.
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Página 44:
"(Heathcliff) Subiu na cama e abriu a gelosia, explodindo, ao fazê-lo, numa incontrolável torrente de lágrimas. – Entre! Entre! soluçou.- Cathy. Entre. Oh, venha... venha... uma vez mais! Oh, minha adorada! Escute-me agora, Catherine, finalmente! – o espectro mostrou um caprich bem digno dos espectros: não deu sinais de vidas; mas a neve e o vento entraram à vontade, chegando até onde eu estava e apagando a luz."
Foi sobre essa matriz forte,vigorosa, riquíssima, que a compositora inglesa Kate Bush atuou de maneira eficaz na tradução do estado de tormento do espírito de Cathy, cuja "fantasmagoria", permeia à exaustão na extensão da sua música gritada. Não há como,para aqueles que lêem uma obra sentindo, não enxergar uma continuidade, uma interligação perfeita, entre Brontë – Bush.
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BRONTË, Emily. "O Morro dos Ventos Uivantes". São Paulo (São Paulo): Círculo do Livro S.A., trad. Vera Pedroso, 1985.
CIVITA, Victor. "Os Imortais da Literatura Universal". São Paulo (São Paulo): Abril S.A. Cultural e Industrial, v.1, 1973:
GEARY, Rick. "Adaptação de O Morro dos Ventos Uivantes, de Charlotte Brontë." São Paulo (São Paulo): Editora Abril Jovem S.A., outubro / 1991.

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